Para explicar a razão que justifica o título deste blog, ou seja, que Inteligência Artificial (AI) não é nem Inteligência e nem Artificial, vamos ver o que me motivou a estudar este assunto mais profundamente.
Algum tempo atrás, o Dr. Prof. Giovanni Dolif, me convidou para que juntos fizéssemos um curso sobre meteorologia. Claro que ele era a essência e a estrutura do curso pois, nem de longe, meus conhecimentos sobre meteorologia se acercam aos dele.
Este convite, além de me deixar muito honrado, permitiu que eu conhecesse um grupo de pessoas com muito bom nível cultural: os alunos do curso.
Foi um sucesso total e o contato com eles continua até hoje.
Um dia, para provocá-los a raciocinar, postei a seguinte pergunta: ”Por que o céu, à noite, é escuro?”
Para minha surpresa, após alguns minutos, um bom aluno postou uma resposta muito bem redigida. Porém ela descrevia a resposta com os conhecimentos da ciência até 1920, que é a resposta encontrada na maioria dos livros e sites.
Fiquei boquiaberto! Caramba, em poucos minutos ele escreveu aquele texto coerente, apesar de estar errado com os nossos conhecimentos atuais.
Retruquei postando que aquilo não era a resposta correta e ele, após poucos minutos, postou outra resposta, mais curta, e aí “a vaca foi para o brejo” pois continha relações de raciocínio incoerentes e erros conceituais.
Fiquei pensando como poderia ele ter feito aquilo tão rápido e com uma linguagem tão correta. Deduzi que ele deveria ter usado algum destes programas de AI.
Então mergulhei fundo no assunto e afirmo com todas as letras que a “Inteligência Artificial” não é nem Inteligente e nem Artificial, apesar de ser uma ferramenta que poderá ser muito útil ou catastrófica, dependendo de quem e como se usa.
Inteligência é uma característica de seres vivos, em particular humanos. O pensamento humano não é digital, ele é analógico, então, para preencher todas os possíveis estados entre 0 e 1, uma máquina digital teria problemas de estrutura lógica. (M. Nicolellis)
Também não é Artificial, pois ela sempre se apoia em algoritmos criados por humanos.
Como funciona a AI?
A INTEL, muito bem descreve (Link) numa série de vídeos, feitos com a finalidade de divulgar conceitos corretos sobre o assunto, o que é AI.
Em resumo é assim:
Qualquer produto de AI tem que começar a partir de um enorme banco de dados, quanto maior melhor, que servirá de base para que os algoritmos possam usar os dados lá contidos. Os resultados destes algoritmos geram a resposta à pergunta feita.
Então, a qualidade do banco de dados é fundamental e ele deve obedecer aos 4V :
1) o Volume de dados é importante.
2) os dados devem ser coletados no maior número de fontes possível. Portanto precisamos ter Variedade de fontes de origem de dados.
3) se as fontes nos quais os dados foram coletados fornecerem informações falsas, a coisa não vai dar certo. Portanto é necessário buscar a Veracidade das informações fornecidas ao banco de dados.
4) finalmente, o computador que vai manusear estes dados precisa ser potente para dar resposta em pouco tempo às nossas perguntas. Este o quarto V: Velocidade de processamento de dados.
Então os 4 Vs são necessários… mas não suficientes!
Antigamente existia o curso de Biblioteconomia em muitas universidades, lembra? Já sei, você vai dizer que não é daquela época, mas eu sim. Uma biblioteca é um banco de dados.
Imagine que você vai numa biblioteca e diz à bibliotecária que deseja um livro escrito por Euler onde ele define o número e (base dos logaritmos naturais, o famoso: 2,71828...).
Euler escreveu mais de 800 publicações! Como achar o livro certo?
Os livros não são apenas catalogados pelo nome do autor, título, casa editora, ISBN etc. Eles tem palavras chave que se referem a coisas específicas do assunto do livro, e que ajudam a encontrar o livro certo. Estas palavras são os indexadores, e havia um software da UNESCO específico para bibliotecas, chamava-se ISIS, que usava estes indexadores. O conjunto destes indexadores denominava-se Thesaurus.
Estes indexadores nos bancos de dados de computadores atuais, às vezes são denominados Labels, outras Tags, mas em essência, são equivalentes aos indexadores da biblioteca.
Você percebe a importância disto quando, por exemplo, faz uma busca no Google.
Busquei a palavra Santo. Ele deu Cerca 2.450.000.000 resultados (0,45 segundos). Mas eu queria buscar um vinho que se chama Vino Santo. Então refiz a busca usando as duas palavras e o site me deu Cerca 90.500.000 resultados (0,46 segundos). Ah, agora ficou fácil! Em vez de mais de 2 bilhões, agora "só" preciso buscar entre os mais de 90 milhões. Mas os algoritmos do Google são "inteligentes". Eles guardaram todas as vezes que, quando alguém fez a busca de Vino Santo, quais sites ele escolheu. Faz então uma "lista" de quais eram mais escolhidos e os coloca em ordem decrescente de visitas. Então ele mostra os sites em ordem decrescente de probabilidade. Portanto aumenta a probabilidade de, entre as primeiras da lista estar uma página que eu busco!
Quem faz este trabalho são os algoritmos da Google. Antes dela existiam outros sites de busca, mas os resultados que eles mostravam não usavam estes algoritmos e era muito mais difícil encontrar o site desejado. Resultado: Os outros praticamente desapareceram do mercado.
Claro que, se você é vendedor de Vino Santo e pagar para a Google, ela vai colocar um anúncio do teu Vino Santo em primeiro lugar. Porém a Google é honesta, pois deixa claro que aquilo é um anúncio (ad) e só depois coloca os resultados da busca com algoritmos.
Note que, na segunda busca, apesar de obter menos resultados, ele demorou mais tempo para dar a resposta. Haviam 2 indexadores, Santo e Vino.
Este trabalho de indexar os dados antes de serem colocados no banco de dados era normalmente realizado por humanos.
Agora que sabemos como um banco de dados funciona, precisamos entender um pouco melhor o que é um computador.
A computação deve muito ao trabalho de um gênio chamado Alan Turing, mais conhecido por decifrar a máquina Enigma.
Em 1936 ele publicou um trabalho onde criou as bases da computação moderna e, por muitos, é considerado o “Pai da AI”.
Neste trabalho ele descreve uma máquina teórica, na verdade um modelo teórico de computação, capaz de executar algoritmos. Ela se denomina Máquina de Turing.
Os computadores atuais são Máquinas de Turing mais evoluídos.
Além de conseguir demonstrar quais problemas os computadores serão capazes de resolver, ele foi capaz de demonstrar que existem problemas ou tarefas que jamais serão capazes de resolver.
Exemplo disso são os problemas chamados de indecidíveis. Um deles é que nenhum programa de computador será capaz de dizer se ele poderá entrar em loop ou não.
Outra consequência é que nunca poderemos ser capazes de criar um antivírus (de computador) definitivo. Isto é pura lógica matemática.
Este trabalho de Turing pode ser entendidos como uma consequência dos trabalhos de Alonzo Church e de um seu orientando de Doutorado de nome Kurt Gödel.
Gödel, em 1931 publicou um trabalho que se chama "Sobre as Proposições Indecidíveis".que continha os dois "Teorema da Incompletude ". Uma obra de gênio porém um pouco complexa para ser descrita aqui. Eles foram a base para Turing formular suas demonstrações.
Que sorte tive na vida em ter tido dois professores que se tornaram amigos e eram grandes matemáticos na área da Lógica. Por alguns anos permitiram que eu participasse de seus estudos sobre este trabalho. Muitos sábados e domingos foram passados estudando e discutindo a três. Aprendi muito com eles (Obrigado do fundo da alma!).
Então o raciocínio é o seguinte: Se o computador deve usar os dados que já foram criados e estão no banco de dados, e com estes dados produzir resultados, estes resultados nunca poderão ser algo novo! Eles apenas poderão fazer plágios do que já foi criado. Eles serão incapazes de Criar Algo Novo! A resposta que o meu aluno do curso deu sobre o céu ser escuro, é um resumo da maioria dos textos que ainda afirmam aquilo! Se o que a maioria faz for necessariamente o certo, como mais de 94% da população mundial tem cárie, deveria deduzir que o certo é ter cárie na boca. Claro que isto é estúpido! Durante décadas se dizia que a gastrite era provocada pelo estresse. Todas as publicações e médicos repetiam isso. Então qualquer algoritmo de AI diria que gastrite é provocada pelo estresse.
Até que dois médicos australianos encontraram a bactéria que a provoca. (e receberam o Nobel por isso) e não tem nada a ver com estresse! Jamais um computador seria capaz de fazer isso, ele apenas repetiria a mesma crença eternamente.
Ser inteligente é outra coisa!
Lembram quando o Brasil sediou a última Copa do Mundo de Futebol? Lembram da linda festa de abertura? Lembram aquela pessoa tetraplégica com um exoesqueleto e que, apenas usando o pensamento, moveu uma perna mecânica que chutou a bola?
Pois é, aquilo foi feito para mostrar que no Brasil temos grandes cientistas que dominam tecnologia de ponta em uma área dificílima como a neurociência. O nome do cientista que criou aquilo é Prof. Dr. Miguel Nicolelis, primeiro brasileiro a ter um trabalho publicado como artigo de capa na revista Science, além de dezenas de títulos honoríficos. Em suma: um orgulho para todos nós.
Aqui está o link para uma belíssima entrevista onde ele comenta sobre Inteligência Artificial.
Reuna a família, chame teus filhos para assistirem com você, entenda o que é o bem e o mal que ela poderá fazer. Talvez a melhor entrevista que assisti nos últimos anos.
Para quem ainda não o conhece, eis um link: https://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Nicolelis
Espero ter ajudado a colocar algumas pecinhas do quebra-cabeça no lugar e, acima de tudo, obrigado pelo carinho e dedicação por terem me acompanhado até aqui.
Ah, ia esquecendo: Por que o céu é escuro à noite?
Se desejarem, comentem diretamente no meu e-mail: crapun@gmail.com
Abraços
Elio Crapun