Ela se chama Wisdom e nasceu no Midway Atol, no meio do Pacífico Norte.
Ela vem sendo estudada desde 1956, quando já tinha mais de 5 anos de idade.
Uma outra característica incrível da Wisdom é o fato dela já ter percorrido uma distância equivalente a mais de duas viagens de ida e volta à Lua e agora está em sua terceira viagem.
A identidade dela é Z533 e tem uma etiqueta com esse número em sua perna direita. Desde então sabemos muito sobre ela e aprendemos muito, muito mesmo, sobre como ela faz tudo isso.
Claro que Wisdom é um pássaro, mais precisamente uma fêmea albatroz da espécie Lysan.
Esta fotoda Wisdom, publicada no N.Y.T. foi tirada em janeiro desse ano.
Ela se tornou uma verdadeira estrela da internet, todos a amam e seguem suas aventuras.
Mas no que albatrozes se relacionam à vela? Vamos começar pelo início.
No século 19, o homem estava começando a buscar formas de conseguir voar com algo mais denso (ou pesado se você preferir) do que o ar.
Muitos foram os pioneiros, como Otto Lilienthal, que foi o primeiro a ser fotografado voando. Naquela época não haviam motores potentes o suficientes para permitir o vôo e, então, ele construiu vários planadores; acabou morrendo em um deles. Em 1970, o surgimento da asa delta fez renascer e evoluir os projetos dele, graças a um engenheiro americano chamado Rogallo. Hoje, voar de asa delta é um esporte seguro.
Mas o que fez a aeronáutica e, consequentemente, a vela evoluir foi o trabalho pioneiro de um brilhante físico e estudioso alemão de fluidodinâmica, chamado Prandtl.
Em 1920 ele publicou um trabalho onde demonstrou que se poderia calcular a força de sustentação de uma asa, assim como o seu arrasto. Concluiu, ainda, que o melhor formato de uma asa deveria ser elíptico.
Esse rigoroso trabalho matemático abriu um mundo novo para a aeronáutica e mudou a forma como as velas dos veleiros passaram a ser desenhados. A Engenharia Aeronáutica nasce a partir daí.
Mas uma coisa mais incrível ainda aconteceria: em 1933 Prandtl publicou um trabalho de apenas duas páginas, no qual ele demonstrava que haveria uma maneira melhor ainda de construir asas. Com esse novo desenho, usando o mesmo peso de estrutura, elas teriam uma diminuição de mais de 11% no arrasto (Drag).
Ninguém deu bola para este trabalho e ele ficou no esquecimento até que…
No ano de 2012, outro brilhante engenheiro aeronáutico alemão, descobriu que os albatrozes do Midway Atol viajavam 6 a 7 vezes, ida e volta, até a Antártida todo ano! Restava saber como eles conseguem voar, sem parar, mais de 1000 milhas sem bater as asas.
Duas questões deixavam os cientistas sem resposta: como os pássaros voam sem precisar de leme vertical (como os aviões) e porquê eles voam em formação de V.
Um jovem zoologista inglês de nome Spedding, em 1980, estudou o vôo dos falcões para a sua tese de doutorado e, em particular, ele queria entender como o ar se desloca quando eles voam. Teve uma idéia genial: encheu uma sala com pequenas bolas de sabão (usando gás Helio para terem flutuação neutra) e fez falcões atravessarem a sala. As bolhas deslocavam-se à passagem dos pássaros e ele podia visualizar como o ar se move e, em particular, como eram os vórtices criados pelo movimento.
Os engenheiros aerodinâmicos disseram a ele que os vórtices são criados na ponta das asas, de acordo com a proposição de Prandtl de 1920. Mas ele encontrou que os vórtices apareciam a 0,67% do começo da asa. Então ele deu um “acochambradinha” na parte do gráfico perto da asa.
Finalmente a história completa-se, com um homem que ama voar. Aos 11 anos já voava de asa delta e aos 14 já tinha brevê de piloto. Estudou Engenharia Aeronáutica e, de maneira brilhante, fez carreira dentro da NASA, tornando-se o Chief Scientist na NASA's Neil A. Armstrong Flight Research Center (em Edward, na Califórnia).
Seu nome: Albion H. Bowers ou, simplesmente, Al Bowers.
Uma carreira brilhante para um verdadeiro gênio. Ele foi um dos únicos a ler e estudar o papel de Prandtl de 1933, mas o fato é que só aquele papel ainda não respondia às duas perguntas sem resposta.
Ele viu então os resultados das pesquisas de Spedding e a luz acendeu. Começou a colher dados com biólogos que estudassem pássaros como os albatrozes e encontrou a resposta para as duas questões que tanto afligiam os cientistas.
Levou adiante os estudos de Prandtl e completou o que faltava!
Para provar que estava certo, construiu modelos de asas voadoras usando estas teorias e o sucesso foi completo (veja aqui Nasa Prandtl - 3)
Wisdom foi uma fonte inestimável de dados e ela ensinou a Bowers. Ou será que Bowers entendeu Wisdom?
Aqui está uma foto que ele usou em uma apresentação, na qual mostra que os pássaros voam com as asas um pouco superpostas. Tal evidência, pelos conceitos aerodinâmicos habituais, seria um absurdo.
Então sim, sabemos como os aviões voam, sabemos também como os pássaros voam e o motivo deles voarem em formação. Agora poderemos usar estes conhecimentos para construir aviões mais econômicos, ventiladores silenciosos, velas de barco mais eficientes e tantas outras coisas.
Este estudo em curso na NASA vai, seguramente, influenciar o desenho das velas de nossos barcos, mesmo os de passeio e, muito mais, os super barcos da próxima geração da America´s Cup.
A natureza teve 3 milhões e meio de anos para, através da evolução, criar animais que encontraram formas de aperfeiçoarem seu modo de vida. Os que não encontraram desapareceram. Temos muito que aprender observando o quanto os animais são capazes de fazer. Estamos apenas engatinhando.
Apenas a título de curiosidade, Bowers comentou que, quando foi conversar com Spedding (o zoologista inglês), ficou entusiasmado por encontrar uma pessoa tão brilhante e o convidou para trabalhar na California. Ele não aceitou o convite e Bowers perguntou o motivo; a resposta foi incrível: “ As ondas aqui são melhores que lá”. Ele ama o surf.
Espero que tenham gostado desta história. Ela mantém forte minha opinião de que “Velejar é transformar a física em poesia”.
Até o próximo blog.
Elio, parabéns pelo texto, uma pergunta, você um dia comentou que a forma geometria das velas iriam ser modernizada, retirando aquele vértice superior, os veleiros da ACup, já modificaram está geometria, porque os veleiros de cruzeiro não seguem está soluçao. Abraços, sou teu fã.
Obrigado Elio sempre trazendo conhecimento Muito obrigado 🙏🙏
Cada dia me impressiono mais pelo seu conhecimento. Sou um grande admirador seu. Grato por compartilhar conosco tantas curiosidades ! abraços
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Ótimo post Mestre Elio.