O blog anterior foi dedicado a St. Pierre et Miquelon e fazia parte da viagem desde Quebec até Faro para entregar um veleiro. Agora continuarei a contar esta viagem.
Saindo de Quebec ao anoitecer e com vento no nariz, a subida pelo Rio São Lourenço (St. Laurent) foi o primeiro desafio.
Apesar do rio ter um volume de água considerável, ele se ressente muito das marés que produzem correntes de até 8 nós no sentido de escoamento das águas e de até 6 nós no sentido oposto. Saímos com maré vasante e os instrumentos indicavam velocidade de 8 a 10 nós (SOG) com os motores rodando a baixa rotação. A noite foi chegando e aos poucos a correnteza invertendo seu sentido.
A rotação dos motores aumentando e a velocidade diminuindo. Houve um trecho onde a velocidade indicada era de 0,7 nós! Dureza. Fiquei imaginando a paciência que os navegantes de antigamente deveriam ter para só navegar quando a correnteza fosse a favor, um pouquinho de cada vez. Eles foram valentes.
O plano era conseguir chegar no estuário do rio S. Laurent e encher os tanques e, a partir daí, seguir com as velas. Conseguimos fazer isto e paramos em Rivière-au- Renard.
Esta parada tinha outra finalidade além do abastecimento de combustível. Nenhum dos três tripulantes tinha experiência de velejadas longas e mar grosso, além do mais eu queria avaliar como eles estavam física e moralmente para a travessia.
Eu sabia que não seria doce, afinal ninguém veleja entre os 40° e 50° de latitude esperando um mar de rosas em uma época onde os centros de baixa pressão passeiam por lá. As compras de comida haviam sido feitas pelas nossas queridas mariheiras em Quebec, e eu queria avaliar o que era consumido para poder conhecer as reais necessidades. Finalmente precisava controlar o consumo de água dos tanques.
Fiz uma verificação do barco que, apesar de ser um belo Nautitech 47, havia sido usado como barco escola e o antigo proprietario não era dos dez mais cuidadoso.
Compras feitas, barco em ordem, time com moral alta e partimos para a aventura de cruzar o golfo de St. Laurent em direçao a St. Pierre et Miquelon. Passamos por uma reserva onde a presença de baleias, incluindo belugas, é constante. Avistamos algumas, mas estavam longe. A temperatura da água era de 7° C, do ar 17°C ,tornando agradável a velejada.
A esplêndida parada em St. Pierre et Miquelon foi descrita em blog anterior, portanto comentarei a viagem até os Açores.
Se pegar um mapa para ver onde fica St. Pierre e onde ficam os Açores talvez você ache que o caminho mais curto é a linha reta do teu mapa. A Terra é esférica e a menor distância é o círculo máximo da esfera. Porém outros fatores devem ser considerados para a escolha da rota. A posição, a intensidade e a velocidade de deslocamento dos centros de baixa pressão era crucial na avaliação. Além disso temos duas: correntes uma a favor, de agua quente, que é a famosa Corrente do Golfo (Gulf Stream) e outra, menos conhecida, é a da célula norte do Atlântico e que tem água fria e sentido oposto.
As ondas tinham ao redor de 3 metros e vinham do norte.
Me mantive na do norte. A meta era evitar pegar as ondas de lado pois isto causaria muito mal estar para os tripulantes e, como todp velejador sabe, canja de galinha e barlavento não fazem mal a ninguém! Então parti para ganhar altura e poder gastar mais tarde.
Dois dias depois o vento diminuiu muito e apesar disto continuamos na vela para guardar combustível para quando fosse relmente necessário.
Então um encontro maravilhoso ocorreu! Avistamos um grupo de baleias. Foi num dia de pouco vento e estavamos na vela. Decidi nos aproximarmos. Elas vieram ao nosso encontro! Eram no mínimo 9 enormes baleias cachalotes. Aproximaram-se calmamente, vieram ao lado do barco, nos olharam e seguiram viagem tranquilas. Foram momentos de prender a respiraçao. Veja o filme, sem ediçao, que fiz. Deviam ter em torno de 10 a 12 metros de comprimento. A temperatura da agua era de 10°C. Estes enormes predadores possuem o maior cérebro entre todas as espécies, além de serem o maior animal com dentes de toda existência da Terra (maiores que os dos dinossauros). Eles comem tubarões e lulas gigantes e conseguem mergulhar a mais de 2000 metros!
É fácil reconhecer os cachalotes pois eles emitem o jato de água inclinado de 45 graus e não possuem uma nadadeira dorsal como as outra aleias, apenas uma pequena mais perto da cauda
Pouco mais adiante era chegada a hora de diminuir a latitude e todos nós pudemos perceber que estávamos chegando na Corrente do Golfo: as névoas se tornaram mais intensas pois a água quente evapora e ao passar sobre a corrente fria forma a névoa. Névoa dura, névoa de advecção, que só se dissipa com o vento e reduz a visibilidade a poucas dezenas de metros.
A atenção da tripulação foi preciosa. O radar não estava ligado e não tinhamos AIS. De vez em quando a tripulação alerta procurava descobrir de onde vinha o som qa buzina de um ou outro navio aue poderia surgir de repente. Foi intenso, mas não foi tenso, todos estavam confortáveis apesar das ondas constantes com mais de 3 metros.
Finalmente a temperatura da água começou a subir e, em pouco tempo, estava acima de 25°C. A Ilha de Flores estava perto.
A comida no fim, a água a bordo no fim e Flores aparece, linda, nos dando as boas vindas. Foram dias maravilhosos onde a harmonia e felicidade entre todos imperou mesmo nos momentos mais árduos.
Obrigado realmente à Carla e ao Armando (proprietários do barco) e, em especial, à minha amada Helena que estava se transformando numa velejadora oceânica! Vocês têm alma linda.
Na próxima contarei o trecho final desde os Açores até Faro, com surpresas metereológicas. Obrigado amigos e não se esqueçam que o meu livro se encontra à venda na Amazon. Um bom presente para quem você aprecia.
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