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  • Foto do escritorElio

Não somos ratos, mas…

Em 22 de junho de 1972 John B. Calhoun observou o que restava de uma super ativa metrópole, com milhares de habitantes, mas agora em seu declínio, com apenas 122 seres vivendo nela e destinados a desaparecer.


Esta história que vou contar, vai com certeza provocar muito debate, muitas opiniões e muitas reflexões em cada um de vocês. Afinal, ela foi um marco na compreensão da evolução das estruturas sociais.

Calhoun não observou os restos de uma catástrofe ou de uma explosão nuclear, observou algo inimaginável antes de seus trabalhos. Ele era etologista, pesquisador junto ao National Institute of Mental Health, nos EUA.

Segundo o dicionário (PRIBERAM), a etologia é o “1. Estudo científico do comportamento social e individual dos animais no seu ambiente natural. 2. Estudo científico dos costumes e comportamentos humanos.”

O experimento que viria a causar muitas discussões surgiu em julho de 1968 e foi encerrado em 1973. Ele criou o que denominou de “Paraíso Terrestre” dos ratos e que se tornaria conhecido como “Universo 25”. (Aqui um link que mostra as repercussões deste estudo)

Queria entender como uma sociedade de animas se desenvolveria, se não tivesse que sair em busca de alimento todos os dias e não tivesse predadores. Os animais escolhidos foram Norway Rats e, para o experimento, construiu um recinto onde 4 casais de ratos foram colocados.

Havia comida em abundância, não havia predadores e eram perfeitas as condições para as mamães rato desenvolverem suas habilidades maternais. Um único porém: sabendo que estes ratos se reproduzem muito rapidamente, apesar do recinto ser grande, em pouco tempo ele atingiria a superpolução.

Era aí que ele concentraria suas atenções, sobre o comportamento deles.

Como previsto, a população começou a aumentar de maneira exponencial e, após um ano, ela parou de aumentar. Naquele espaço havia superpopulação. Não faltava alimento nem água, não havia doenças nem pandemias. Apenas faltava espaço!

O comportamento dos ratos começou a se alterar abruptamente. Os animais começaram a se tornar violentos, comportamentos sexuais anormais se espalharam e começaram a não tomar conta de seus filhotes, sendo comum eles os atacarem!


Algo chocante aconteceu com os jovens ratos, nascidos dentro do ambiente de superpopulação.

Ratos nascidos nesse caos não conseguiam desenvolver relacionamentos sociais “normais”, como cortejar, acasalar ou cuidar de filhos.

Ele os denominou “Beautiful ones”. Em vez de interagirem com seus pares, eles se arrumaram (groomed) compulsivamente e as fêmeas pararam de engravidar.

Era como se eles ficassem “presos em um estado infantil de desenvolvimento inicial”.

Quando retirados daquele ambiente e colocados num outro ambiente “normal”, eles não voltavam ao comportamento normal dos ratos, mas mantinham esta atitude de “Beautiful ones” até o fim da vida.

No fim, a colônia morreu. “Não tem como recuperar (o comportamento normal)” e isso chocou Calhoun.

Claro que a publicação deste trabalho foi uma bomba no meio científico em geral.

Muitos emitiram opiniões, alguns, talvez apressadamente, viram nesse comportamento dos ratos, uma semelhança com o comportamento dos seres humanos.


Nos ratos começaram a surgir castas, à medida em que aumentava a densidade. Alguns cientistas atribuem a estas castas a causa do desaparecimento. Outros cientistas começaram a pesquisar comportamento humano em cidades superpopulosas e comparar com o comportamento em sociedades rurais ou mesmo indígenas. Em suma, cada pesquisador começou a buscar suporte às suas hipóteses.

O fato é que este experimento foi repetido em outras universidades e com outros tipos de animais de laboratório e os resultados sempre foram os mesmos.

O ponto importante desse trabalho do Dr. Calhoun, foi mostrar que a sociedade dos ratos se desfez quando a estrutura social começou a ter problemas. Quando a densidade populacional atingiu valores altos, novos comportamentos passaram a surgir.

Eles eram espécimes perfeitos, saudáveis, mas que tinham dificuldade em se relacionar, como habitualmente acontecia.

Eles não aprenderam uma série de comportamentos sociais das gerações anteriores, pois não havia necessidade. Por exemplo, o comportamento de que é necessário lutar para conseguir alimento. Eles não se relacionavam socialmente, não cortejavam, não se reproduziam e não se envolviam em nenhuma atividade que pudesse levar a uma situação de estresse. Apenas eram bonitos, isolados, preocupados apenas em si mesmos, e depois morriam sem deixar herdeiros.

O Dr. Calhoun apresenta o conceito que, para uma sociedade de ratos poder se desenvolver, além das questões ecológicas, materiais, alimentares etc., as relações sociais são fundamentais e que elas se degradam rapidamente ao aumentar a densidade populacional. E isto pode levar ao fim de uma sociedade. Um dos fatores, segundo ele, é o hiper-relacionamento, ou seja, se o relacionamento aumenta além de um certo ponto, surge uma reação que leva ao isolamento e ao individualismo.

Notem que ele, incrivelmente, acertou ao prever os pontos de densidade populacional em que começaríamos a ter sintomas claros de mudança na curva de população humana.

Vale notar que Calhoun era otimista com relação aos humanos, pois, em 1960 previu que deveríamos chegar a um ponto onde humanos de qualquer parte do mundo estariam colaborando com outros, independente de distâncias, e que se criaria uma rede de inteligência. Esta rede teria uma atuação que ele não era capaz de prever.

Veja neste filme o próprio Dr. Calhoun explicando algumas conclusões que ele tirou e como o experimento foi feito.

Sei que este vídeo é denso, demorado, cheio de reflexões, bem diferente de um efêmero Instagram ou mesmo Facebook, mas aqui estamos falando de ciência e não de coisas triviais.


O Dr. Calhoun trabalhou num projeto da Johns Hopkins University, dedicado ao estudo dos roedores, em março de 1947. Foi um estudo de 28 meses sobre uma colônia de Norway Rats. O estudo começou com 5 fêmeas e 5 machos colocados em uma área de 930 m2.

Mesmo sabendo que, ao longo deste tempo, cada fêmea poderia, teoricamente, dar origem a uma prole de 5.000 ratos saudáveis, ele verificou que a população nunca passou de 200 ratos e se estabilizou em 150 indivíduos.

Outro fato interessante foi que estes ratos não se espalharam randomicamente pela superfície do território, mas se organizaram(!) em 12 ou 13 colônias, com cerca uma dúzia de ratos, em cada uma.

Ele observou que 12 ratos é o número máximo que os faz viver, harmoniosamente, em um grupo natural. Além deste número, o estresse e efeitos psicológicos atuam como elemento de ruptura da coesão do grupo.

Isto é um trabalho científico. Portanto, como todo experimento, definem-se as condições iniciais (chamadas condições de contorno) e se medem os resultados. Depois, sobre estes resultados se elaboram hipóteses, que devem ser verificadas em novos experimentos. Assim, de experimento em experimento, aos poucos poderá surgir um padrão. Este padrão permitirá entender o comportamento de ratos em ambientes onde a densidade populacional se torna grande.

Claro que os experimentos do Dr. Calhoun e todos os outros feitos a seguir, levam a uma pergunta imediata: Serão eles, plausíveis de serem traduzidos ao comportamento humano?


Quando estudei isto pela primeira vez, imediatamente pensei se poderíamos ter tido, ao longo da história, algo similar na sociedade humana. Lembrei da Ilha de Páscoa, cuja sociedade tinha alimentos, não tinha predadores e cresceu próspera até que… todos eles morreram.

Vários estudiosos se dedicaram ao desaparecimento da população de Rapa Nui (Ilha de Páscoa).

Uma linda hipótese foi apresentada por J. Diamond, autor de um livro que me marcou muito (Armas, Germes e Aço), mas ela não é aceita por alguns outros estudiosos… Ou seja, apenas levantar hipóteses e não poder comprovar experimentalmente, não poder quantificar, mais uma vez, leva a infindáveis conversas onde simplesmente cada um emite sua opinião e acha que aquela é a verdade.

Então limito-me a observar…e estudar.

Não sei o motivo, mas todas as vezes quando tomo o metrô ou um trem e vejo os jovens sentados um ao lado do outro, cada um com seu celular - janela mágica que os leva a um mundo irreal - e não conversam com o vizinho, não se relacionam com o próximo, não interagem socialmente, lembro do Dr. Calhoun; e fico triste.

Obrigado e abraços.



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