O incrível FEBEAPÊ!
O ano era 1966. Eu, um jovem, às véspera de entrar na universidade, cabeça cheia de sonhos e dúvidas, típico de adolescente que questiona a verdade das coisas. O clima, no Brasil era de censura, de murmurar entre as trevas, de tirar leite de pedras. Nesse clima apareceu o primeiro Febeapá cuja capa está acima. Um amigo me emprestou (eu não tinha dinheiro para comprar) e eu me apaixonei por ele.
Os professores, com aquela forma de ensino jesuítica que perdura até hoje, donos de suas verdade (nem sempre tão verdades), não apreciavam minha rebeldia e meu questionamento constante.
Para a maioria deles eu era um aluno chato que só fazia perguntas que interrompia seus monólogos. Eu era o aluno “Por que…?”.
Várias vezes fui chamado de burro por alguns professores meus. No entanto… quantas bobagens e coisas erradas eles papagaiavam por estarem escritas nos livros de ensino!
Não me refiro aos livros da área de humanidades. Me refiro a livros de física! Vou dar alguns exemplos:
FEBEAPÊ 1
Quando, num livro de meteorologia, você lê que “ a pressão que a camada de ar exerce para baixo sobre o solo, é o que se denomina pressão atmosférica na superfície da Terra.”, talvez pareça aceitável. Mas não é! Pressão é grandeza escalar e não vetorial. Não existe pressão para baixo, ou para direita, ou para cima, ou de dentro para fora etc.(1)
Você não enche o pneu de um carro com pressão de dentro para fora. Você simplesmente põe ar no pneu e, com isso, a pressão dentro do pneu aumenta de valor. Pressão é a penas o valor numérico (o módulo) da força perpendicular à superfície, dividido pela área (que também é grandeza escalar e não vetorial) dessa superfície.
Isto parece um preciosismo de minha parte, mas não é. Ele é fundamental para entender uma grande quantidade de coisas que usamos todos os dias. (2)
Quando você pisa no freio de um carro ou aciona qualquer sistema hidráulico, entende a importância desse conceito de pressão.
Veja o erro conceitual nesta figura:
A imagem explicando os hemisférios de Magdeburg foi retirada de https://skullsinthestars.com/2012/05/08/physics-demonstrations-magdeburg-hemispheres/
Triste, ver este tipo de erro.
FEBEAPÊ 2
Quando num livro de navegação, ou de meteorologia, você lê que marés são consequência da gravidade da Lua e da força centrífuga no outro lado da Terra, lágrimas devem escorrer pelos teus olhos por ler tamanha asneira (3).
Mas isso é o que se encontra na maioria dos livros e apostilas usadas nos cursos para aprender navegação.
Mas os absurdos não param aí! Existe inclusive, a afirmação que “… a atração da gravidade da Lua é quase duas vezes mais poderosa que a do Sol” (livro: Navegar é Fácil. Autor: Geraldo Luiz Miranda de Barros).
O pior é saber que este livro é “Indicado pela Marinha do Brasil para as provas de aptidão de Arrais e Mestre Amador.” (Clique aqui para ver)
FEBEAPÊ 3
Quando você lê que os astronautas flutuam dentro da ISS em órbita ao redor da Terra pela ausência de gravidade, pode se jogar ao chão e bater mãos e pés por alguém escrever tamanha asneira. Infelizmente isso é muito escrito. Pior ainda é alguém afirmar que os astronautas flutuam na Lua! O prêmio da besteira vai para esse vídeo do YouTube. Pobres alunos deste professor!
FEBEAPÊ 4
Quando você lê que a água, abaixo dos zero graus Celsius se encontra somente no estado sólido, entre zero e cem graus se encontra somente no estado líquido e, acima de cem somente no estado de vapor, você deve se arrepiar de medo!
Conhece um instrumento usado nos barcos que se chama higrômetro? O que ele mede?
Isso mesmo: ele mede a umidade do ar. Que significa isso?
Ele mede a quantidade de vapor de água que está contido no ar. Água no estado de vapor, na temperatura ambiente. Portanto água pode estar no estado de vapor na temperatura ambiente, ou seja abaixo dos cem graus Celsius. Você já viu alguém se queimando com o vapor de água contido no ar da sala de casa?
Quando você vê um avião voando no céu azul e deixando um risco branco para trás, o que é aquele risco? È a formação de gotas de água, no estado líquido, assim como numa nuvem. E a temperatura está bem abaixo dos zero graus Celsius. Ela se aproxima dos -50 graus Celsius. Sim, água líquida a menos 50 graus. A bem da verdade, também chega a se formar uma boa quantidade de cristais de gelo. E aquela atmosfera está com água no estado de vapor! Vapor a menos 50 graus Celsius!
FEBEAPÊ 5
Outra pérola dos livros é a força de Coriolis. Esta chega a ser hilariante. A força de Coriolis é muito importante para entendermos movimento da correntes marítimas nos oceanos e na atmosfera, mas… em muitos livros, apostilas e YouTube, verdadeiras comédias são descritas como sendo verdadeiras.
A força de Coriolis vai ficando menos intensa à medida que nos aproximamos do equador terrestre, e mais forte à medida que nos aproximamos dos polos.
Além disso ela é tanto mais perceptível quanto maior a extensão da massa fluida considerada, sendo portanto imperceptível para pequenas extensões de fluidos.
Logo, ela não é capaz de fazer a água de uma pia ou de uma banheira, ou de uma piscina ou de um lago, girar no sentido horário no hemisfério norte e no anti-horário no hemisfério sul.
Pior ainda se esta piscina ou este lago estiver próximo à linha do Equador, onde ela vale zero.
Genial o que você encontra no YouTube (clique aqui para ver, vale a pena ver).
Claro que é farsa, a pessoa que faz isso deve morrer de tanto dar risada por ver tantos pagando por um truque, sim eles cobram para mostrar isso(!). Afinal, um mágico também se diverte ao fazer seus truques e ver as pessoas fazendo Ohhh!
Mas mesmo publicações mais ´serias escorregam no conceito de Coriolis.
Tente descobrir o erro nessa figura que representaa Terra e como as forças de Coriolis agem nas massas de água( https://canal.cecierj.edu.br/recurso/9105) :
Coriolis vale zero na linha do equador. Pias e banheiras não são sensivelmente afetadas por Coriolis em nenhum lugar do planeta, não só no equador.
Se tiver tempo, veja esse link. É bom, sem escorregadas e simples: https://materialpublic.imd.ufrn.br/curso/disciplina/1/52/6/8
FEBEAPÊ 6
As explicações sobre o vôo dos aviões e o funcionamento dos fólios e das velas nos barcos, estão entre as mais divertidas.
Para entender a real explicação do funcionamento de uma asa de avião, ou fólio ou vela, é necessário estudar e compreender muito bem fluidodinâmica e passar por Euler, chegar a Biot-Savart (isso mesmo, as mesmas equações do eletromagnetismo, só que aplicadas aos fluidos), finalmente Kutta-Joukowski e chegar em Navier-Stokes (para saber mais clique aqui).
Isto é muito complexo e eu não vi nenhum vídeo ou artigo de divulgação que realmente explique isso sem cometer erros graves. (Algo simples e bem explicado em português encontrei aqui: https://www.scielo.br/j/rbef/a/FCv7M5JNVv6yVJjSr3CPKtS/?lang=pt )
O problema neste caso é a complexidade da resposta diante de uma pergunta aparentemente simples.
Em geral, existem três explicações sobre como um avião voa:
Equação de Bernoulli. Talvez esse seja o erro mais frequente. Sim, é verdade que ao aumentar a velocidade a pressão diminui etc. Mas para aceitar Bernoulli é necessário que as partículas de ar que percorrem a parte inferior da asa gastem o mesmo tempo que aquelas que percorrem a parte superior da asa. E isso não acontece!!!!!! Logo não pode aplicar Bernoulli.
Exemplo triste desta explicação você encontra aqui https://www.if.ufrgs.br/tex/fis01043/20031/Andre/
A segunda explicação é a das partículas de ar se chocando com a parte inferior da asa e aí invoca a segunda lei de Newton. Claro que isto existe, mas isso não consegue explicar o funcionamento da asa. Quando a asa empurra o ar para baixo, ela vai para cima (terceira Lei de Newton), Claro que isso acontece, mas calculando se descobre que não é suficiente para explicar como o avião voa.
Nesse vídeo do You Tube você encontra os dois erros acima, além de dizer que a pressão é vetorial. Clique aqui para ver esse belo FEBEAPÊ.
Depois existem explicações mais “exóticas”, como efeito Coanda, e outras coisas similares.
Portanto, cada uma dessas explicações é apenas uma parte do problema.
Veja os vídeos tente descobrir os erros e desculpe se não comigo explicar isto sem equações.
Há coisas que não sou capaz de fazer só com palavras. Mas nem tudo está perdido!
Se desejar começar a entender um pouco sobre isto, sugiro que entre no canal de Tyler Van Buren (clique aqui), no You Tube.
Este Professor Doutor consegue explicar para qualquer pessoa com conhecimentos básicos de matemática (pelo menos Cálculo 1 e 2) os conceitos corretos de aerodinâmica. A partir dele, depois se aprofunde como quiser, mas você estará partindo de uma boa base. Caso precise de ajuda para se aprofundar sobre qualquer dos vídeos do Dr. Buren, pode me contactar por e-mail, talvez possa ajudar te passando outras fontes sérias sobre o assunto.
FEBEAPÊ 7
Quando o assunto é a ecologia, o aquecimento global ou efeito estufa, aí a burrice deita e rola. Sempre aparecem jornalistas (e até ministros de vários países) dando soluções dignas de um gênio da lâmpada!
Infelizmente a matriz energética do mundo ainda está apoiada sobre petróleo, gás e carvão.
Números mostram que geração eólica ou solar ajudam a mitigar o problema, mas é impossível mantermos o nível de produção atual (leia-se PIB mundial), com apenas estas três fontes mais a hídrica. A única solução que temos atualmente, que não é perfeita mas é a menos poluente especialmente pensando no efeito estufa, é a nuclear.
Interessante é ver que os que defendem a bandeira do verde, são os primeiros a ser contra o nuclear.
Aconselho vivamente a quem se sente estimulado a entender um pouco mais sobre este sério problema, Poluição X Produção de Energia e PIB X Consumo de Energia, que dê uma olhada nas palestras de Jancovici, onde deixo link de uma delas aqui.
. Ah, ia esquecendo, a palavra FEBEAPÊ copiei de FEBEAPÁ. Ela foi criada pelo grande Stanislaw Pontepreta (aliás Sergio Porto), e que significa FEstival de BEsteiras que Assola o PAís. Eu preferi trocar PAís por PEssoas. Se você não viveu na época da ditadura militar, leia a história desta palavra aqui.
Qual o motivo de eu ter escrito sobre esse assunto? Não sei… talvez porque eu gostaria que todos os meus amigos, quando forem emitir uma opinião, o façam apoiados em fatos bem comprovados.
Me entristece muito quando alguém querido fala emitindo opiniões infundadas. Afinal, o homem não é, como dizia um filósofo, escravo de seus pensamentos, mas sim ele é escravo de suas palavras. Pensamentos você pode mudar, palavras proferidas não.
Deixo esse velho provérbio que continua válido. Descubram o idioma e o que ele diz.
Abraços e até o próximo blog
Elio Crapun
1- Muito claro e correto na explicação o autor dessa página, mas a figura mostra o conceito de maneira errada http://www.oieduca.com.br/artigos/voce-sabia/por-que-a-pressao-atmosferica-muda-com-a-altitude.html
2- Nesta página dedicada a experimentos de física da Saint Mary´s University de Halifax (Canadá) se lê: “exert some kind of force on it. Indeed they do... such a force is called air pressure.” O erro é evidente, força não é pressão! Aliás, Força se mede em Newton e pressão em Pascal. Então a figura desse texto não mostra a pressão, mostra as forças.
3- Aqui você encontra passo a passo em linguagem simples a resposta àquelas burrices dos textos que falam em força centrífuga. https://www.vialattea.net/content/tides-and-centrifugal-force/ Se preferir em Italiano: https://www.vialattea.net/content/le-maree-e-la-forza-centrifuga/