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  • Foto do escritorElio

O que levar durante uma viagem?


Temos sempre a dúvida sobre o que devemos ter a bordo antes iniciar uma viagem.

Aí pedimos conselhos aos que dizem ter experiência e fazemos uma lista.

Via de regra, ela é tão grande que, se formos colocar tudo o que nos foi recomendado, afundaremos nosso barco por excesso de peso e nunca usaremos essas peças. Mas e se precisar…

O que importa na viagem não é o que você leva no começo, mas sim o que você traz na volta.

Acabei de fazer uma viagem de 1.500 km em bicicleta indo de Narbonne (França) até Roma (Itália).

Levei coisas desnecessárias por falta de experiência. Com isso a bicicleta ficou mais pesada e a velocidade média caiu, além do esforço ter sido maior do que o necessário, especialmente nas subidas. Então vale a máxima inglesa de “less is more”.

Em cada pequeno lugar onde você para, na hora do almoço, para comer um pedaço de pão com salame e beber água, acaba conhecendo algumas pessoas, gente simples do campo, que vem puxar conversa e trocar informações. Isto permite descobrir coisas novas, como o relógio desta igreja, que marca 24 horas em vez de 12.

Os primeiros 500 km foram feitos na França até chegar na fronteira com a Itália. Depois os outros 980 foram pedalados na Itália.


Ainda na França atravessei uma região que me emocionou muito.

Quando eu era criança havia escutado as notícias sobre uma tragédia de uma barragem que, ao se romper, matou muitas pessoas e praticamente fez desaparecer grande parte de uma cidade chamada Freijus. Foi realmente muito triste. Isto havia ficado em minha memória.

O meu caminho tinha que passar por Freijus. Deveria subir a montanha (dos Alpes) onde existia o lago que a barragem havia formado, e percorrer o caminho que outrora estava sob as águas.

A quebra da barragem aconteceu em 1959, portanto 62 anos atrás. Ainda havia restos de blocos de concreto espalhados por centenas de metros a jusante do lugar original, as marcas da destruição permaneciam claramente visíveis.

Hoje esse caminho, estreito e árduo, sobe o vale de forma íngreme, várias vezes me obrigando a empurrar a pé a bicicleta, com os pés escorregando sobre as pedras, até chegar ao topo.

Não sei se o esforço e o cansaço para chegar ao alto da montanha contribuíram para aumentar minha sensibilidade, o fato é que várias vezes parei para tomar fôlego e, ao olhar para trás, imaginava o terror que aquela ruptura do dique provocou. Ficou marcado.


Claro que os caminhos lhe fazem atravessar cidades grandes. Elas são cheias de história e tradições. Só que nelas as pessoas não se falam. São verdadeiras selvas onde a luta pela sobrevivência faz perder a relação humana.

Para entender o que quero dizer, tomo por exemplo uma placa que li na Itália, onde estava escrito a mão: “ As pessoas estão esquecendo-se de viver por medo de morrer”. Mas, afinal, acho que estas expressões fazem parte do modo de ser dos italianos. Eles são dramáticos, efusivos, se acaloram, gesticulam. Eles são italianos!


Essa é Bologna. Bela cidade onde não come “Spaghetti alla bolognese”, pois em Bolonha é considerado crime fazer aquele delicioso molho e colocar sobre o spaghetti. Deve ser colocado sobre Tagliatelle ou um Rigatoni, pois o molho adere melhor à superficie do Tagliatelle (segundo eles), do que sobre o spaghetti.

A culinária é mais do que um prazer para eles, é uma verdadeira religião. Fazer Pesto Genovese no liquidificador? Crime! Usar folhas de manjericão napolitano, em vez do manjericão genovês? Crime! Cortar o macarrão? Inferno imediato com direito a Belzebú vir lhe tirar da mesa e lhe deixar ardendo no fogo do inferno eternamente!

A pizza que se come ao meio dia, chamada “pizza al trancio”, deve ser feita com massa de padeiro, nada a ver com a pizza do jantar. Não confunda uma com outra.

Discussões acaloradas surgem entre italianos de uma região e outra sobre os alimentos.

Em Reggio Emilia, entrei numa casa de queijos e perguntei se eles tinham Grana Padano. A mulher só não me esganou pois se apiedou de minha ignorância! “Qui vendiamo solo formaggi buoni! Vendiamo il Parmigiano Reggiano!” (Aqui vendemos somente queijos bons! Vendemos o Parmesão Reggiano!). Depois, vendo minha expressão atônita se acalmou e me explicou as diferenças, obviamente, desclassificando o Grana Padano.

Seguramente, se eu tivesse parado 40 km antes, na região padana, eles teriam me vendido o Grana e colocado o Reggiano num patamar inferior.

Os italianos são emocionais, incrivelmente simpáticos e sempre donos da verdade absoluta. Jamais discuta com um italiano. É emoção e não razão, é Palmeiras e não Corinthians e por aí vai.

Quando se fala em arte, outra vez esse italianismo vem à tona. Em uma das noites da viagem, numa pequena cidade em que passei, iria se apresentar a orquestra local, mas sob a regência de Riccardo Mutti.

Fantástico! Eu teria comprado um ingresso e dormido na barraca atrás do teatro, mas não tinha roupas adequadas e nem teria como tomar um banho antes de ir. Ficou a vontade…

Enquanto olhava os cartazes, ouvia pessoas sentadas em mesinhas do café ao lado, todas elegantes, tomando Aperol com gelo e uma fatia de laranja, discutindo acaloradamente sobre Toscanini, Karajan e outros grandes maestros, cada um tendo o seu preferido. Eu me senti um verdadeiro ignorante, pois gosto de todos eles. Acho que se eu tivesse conseguido entrar para assistir, eles teriam considerado um sacrilégio alguém com minhas indumentárias estar num templo da música erudita. Horror! kkk.

Em compensação, em Florença (Firenze), minha alma foi premiada ao visitar o museu de Galileo Galilei e, por pura sorte, no dia do Solstício de Verão. Para comemorar a data, uma série de pequenos grupos musicais estavam espalhados pelos dois andares do museu e alternavam-se na apresentação de peças de música renascentista, bem apropriadas ao grande Galileo. Ninguém reclamou que eu estivesse de bermuda e sandálias, este museu não é visitado por multidões de turistas interessados em selfies, é visitado por quem sabe que Galileo foi um marco importante no desenvolvimento da humanidade.

Em Roma, através do Tio Google, recuperei o endereço do museu de outro ídolo meu: Enrico Fermi. Já havia tentado ir lá uns 10 anos atrás, mas, apesar de aparecer como museu, ele ainda não havia sido feito e, nem sequer os guardas do prédio onde ele deveria estar, sabiam que ele existia. Agora, a situação continua a mesma. Seguramente, muitas verbas públicas devem ter sido investidas para a criação do museu desse ilustre Prêmio Nobel de Física, mas… talvez algum dia ele existirá.

Numa viagem conhecemos pessoas interessantes. Em uma das diversas estradas que percorri, parei num semáforo e um senhor, com uma bela bicicleta de corrida dos anos 60, parou ao meu lado. Começamos a conversar e ele medisse que todos os dias pedalava uns 40 km para manter a forma. Perguntei sua idade e ele disse tranquilamente: 85!

Conversamos um pouco, o semáforo ficou verde, nos saudamos e, no próximo semáforo nos encontramos de novo. Ele mais rápido do que eu. Aí a conversa foi mais longa e ele me contou sua vida, sua profissão (açougueiro), falou muito de bicicletas e de sua família. Quisera eu que todos nós pudéssemos chegar aos 85 e ainda ter prazer de pedalar 40 km por dia. Inesquecível!

Agora imagine a cena: Teatro da Ópera de Roma, templo da música lírica, início da temporada de verão com apresentação de “Il Trovatore” e o melhor, ainda com ingressos à venda. Fui comprar.

Quando cheguei naquele lugar chique, em frente à porta principal estava parada uma van, da qual vários músicos desciam. Eu cheguei com minha bicicleta, bermuda, camiseta e sandálias. Ia prendê-la com o cadeado e o motorista da van me disse que não precisava amarrar. Chamou um guarda do Teatro e pediu para que ele me desse um lugar dentro do Teatro para deixá-la. Fiz o que indicou e entrando pela porta principal, a pé, fui à bilheteria. Comprei o ingresso e ao sair ele estava esperando, me parou e perguntou quem eu era. Eu disse que era um italo-brasileiro e que tinha vindo comprar um ingresso. Ele então me convidou a tomar um café no bar (chic!) em frente. Aceitei. A conversa começou com ele me dizendo que, nos 20 anos em que ele trabalha no Teatro, nunca tinha visto alguém chegar de bicicleta (suja de terra e barro da viagem), vestido como eu estava e entrar tranquilamente no Templo da Ópera. Portanto, eu não poderia ser uma pessoa comum, o que o fez ter curiosidade em me conhecer. Em resumo, ficamos amigos, trocamos e-mail e ele me deu muitas dicas que só os romanos têm sobre Roma.

Ia esquecendo: Que bagagem levei? A barraca, um saco de dormir, um kit para furos no pneu, a bomba de encher pneus, escova e pasta de dentes, sabonete, uma toalha, três cuecas, duas calças de ciclista, três camisetas, uma roupa de chuva, um par de tênis, dois pares de meias, um canivete, um copo, um prato e garfo. A roupa de chuva, o tênis e as meias não usei. Pneu só furei uma vez.

O que eu trouxe de volta? Muito conhecimento, muita alegria e muitas receitas a mais!

Até o próximo blog.

Obrigado

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