Esta pergunta veio atravessando séculos e intrigando filósofos e cientistas.
Durante todo esse tempo, se pensava que as estrelas eram fixas no céu e o Universo imutável. Além disso, se considerava verdade que o Universo sempre existiu e que fosse isotrópico e homogêneo. Isotrópico quer dizer que a luz se propaga por igual em todas as direções e homogêneo significa que, para qualquer lado que nós observássemos o céu, a quantidade média de estrelas observada seria a mesma.
Apenas a título de curiosidade, a olho nu podemos observar cerca de 6.300 estrelas na esfera celeste. Como à noite nós observamos apenas metade, concluimos que, em noites estreladas, vemos ao redor de 3.200 estrelas.
Johannes Kepler, em 1610, foi um dos que tentou explicar o fato do céu ser escuro à noite.
O raciocínio dele foi que, se houvessem infinitas estrelas, e cada uma emite luz, mesmo considerando que a luz das mais distantes vai chegar mais fraquinha até nossos olhos, a soma dessas luzes deveria fazer o céu à noite ficar tão iluminado como de dia.
Portanto o número de estrelas não poderia infinito e, como consequência, o Universo deveria ser finito.
Isto derrubaria uma das hipóteses sobre como seria o Universo.
Cerca de 90 anos mais tarde, Richard Bentley trocou cartas com Isaac Newton filosofando sobre o assunto, mas sem conseguir rebater as idéias de Kepler.
Talvez você esteja pensando: “Mas, se a intensidade da luz que chega até nossos olhos é cada vez mais fraca quanto mais longe a estrela estiver, a contribuição dessas estrelas extremamente distantes será praticamente nula, portanto o Universo pode ser infinito”.
O raciocínio parece correto, mas… nós estamos admitindo que o Universo seja isotrópico e homogêneo.
Felizmente, um pouco de aritmética simples, pode nos ajudar a mostrar melhor o raciocínio.
Sabemos que a intensidade I da luz que chega nos nossos olhos é inversamente proporcional ao quadrado da distância r da fonte que emite luz com intensidade I0.
Isto significa: se uma fonte de luz (uma estrela) emite luz com intensidade I0 , e nós estamos a uma distância r dessa fonte, vemos a luz com uma intensidade I = I0 /r^2
Se desejarmos calcular quantas estrelas N emitem luz na superfície de uma esfera homogênea de raio r, com centro na Terra, basta multiplicar a densidade D de estrelas por unidade de volume, pela área da superfície da esfera:
N = D . 4𝝅.r^2
Para calcular a intensidade da luz que recebemos de todas as estrelas contidas nessa esfera basta multiplicar esse número de estrelas pela intensidade da luz que chega de cada uma delas. Ou seja:
I = (I0 /r^2) . D . 4𝝅.r^2
Portanto: I = I0 . D . 4𝝅
Veja que o resultado não depende de r, portanto ambos, o raciocínio de Kepler e o outro de que as estrelas mais longínquas não acrescentam quase nada, estão errados. O brilho do céu à noite ( I recebido), só depende da intensidade do brilho real emitido de cada estrela, e da densidade de estrelas do Universo. Nota: na época de Kepler, a lei do inverso do quadrado da distância ainda não era conhecida, portanto ele não poderia ter efetuado estes cálculos triviais.
Isto fez com que o astrônomo alemão Heinrich Wilhelm Olbers, em 1826, propusesse a pergunta que se chama Paradoxo de Olbers: “Como é possível que o céu à noite seja escuro, apesar de termos uma infinidade de estrelas?”.
Já no século XVI, aqueles que não aceitavam a idéia de Kepler e que não haviam feito as simples contas que mostrei acima, levantaram a hipótese de que deveria existir, entre as estrelas e a Terra, uma nuvem de poeira preta invisível que absorvia parte da luz que as estrelas emitiam e então a fraca luz das mais distantes não chegava até nós.
Belo raciocínio, levando em conta que era o século XVI, mas infelizmente ele não se sustenta.
Pelos conhecimentos adquiridos da termodinâmica (radiação do Corpo Negro) no século XIX sabemos que, se um corpo recebe energia (luz é energia) a sua temperatura aumenta até um certo valor em que fica constante. A partir desse momento, a energia recebida necessariamente deve ser igual à energia emitida. Então esta poeira deveria brilhar pois o Universo, segundo os conhecimentos da época, sempre existiu.
O próprio Olbers estava propenso a aceitar a hipótese da poeira como correta. Na época dele ainda não se conheciam as equações da radiação de Corpo Negro.
Outro fato que perturbava os físicos de século XIX era o éter. Já se sabia, graças às equações de Maxwell, que a luz era uma onda eletromagnética, mas dois detalhes pareciam fora de lugar:
As equações de Maxwell indicam o valor da velocidade da luz, mas não dizem nada com relação ao referencial. Então se acreditava que deveria existir algum fluido invisível que preenchia o Universo e o denominaram éter. Ele serviria de suporte para que a luz (e todas as ondas eletromagnéticas) pudessem se propagar. A velocidade da luz deveria ser constante em relação a este éter.
Os experimentos de Michelson e Morley feitos em 1887 para detectar a velocidade da Terra em relação ao “éter” fracassaram e só indicavam valor igual a zero em todas as condições.
Com isso nós entramos no século XX sem resposta que explique o céu escuro.
Em 1905 um jovem chamado Albert Einstein resolveu estes dois problemas, criando a teoria da Relatividade Restrita. Mas isto tinha um preço: o tempo deveria ser um conceito relativo e não absoluto como se admitia anteriormente. Depois de mais 10 anos de estudos, em 1915, ele publicou a Teoria da Relatividade Generalizada, onde uniu as clássicas três dimensões com o tempo, criando o conceito de espaço quadridimensional, além de sua famosa equação da gravidade.
Mas o ponto mais importante da Teoria da Relatividade, para o que estamos vendo aqui, é o fato de “a velocidade da luz no vácuo é sempre a mesma, independente do sistema de referência”.
Isto explica o fato da velocidade dela não depender do referencial e do éter não existir, transformando o “fracasso” das experiências de Michelson e Morley num sucesso.
Este fato teve uma repercussão filosófica importante, pois acabou com o absolutismo newtoniano. Além disso reforçou o conceito que, ao fazermos experimentos, estamos “perguntando” coisas à natureza. Os resultados dos experimentos são as respostas da Natureza. Ora, se os resultados dizem uma coisa e a teoria diz outra, quem está errado: A teoria ou a Natureza? Obviamente a teoria!
Rufar de tambores!!! 30 de dezembro de 1924. O astrônomo norte-americano Edwin Hubble, estudando o espectro da luz das estrelas e usando a Teoria da Relatividade, descobre que o Universo está em expansão.
Ele descobriu experimentalmente que a luz que chega das estrelas tem sua cor (seu espectro) sempre mais afastado em direção ao vermelho do que era realmente emitida.
Mais ainda: quanto mais longe a estrela, maior este afastamento. Este afastamento recebe o nome de redshift.
Como este redshift é tanto maior quanto maior a velocidade com que os corpos se afastam, as estrelas mais distantes se afastam mais depressa do que as estrelas mais próximas.
Matematicamente: v= H0D , ou seja a velocidade v com que vemos as galáxias se afastarem de nós é proporcional à distancia D. H0 é uma constante chamada constante de Hubble. Esta é a equação de Hubble.
Portanto se as estrelas estão muito afastadas de nós, a luz que recebemos aqui na Terra, poderá ter tido um redshift tão grande que ela estará na região do infravemelho. Os nossos olhos não captam infravermelho, portanto, apesar delas terem emitido originariamente luz, ela será invisível para os nossos olhos.
Atentos a um detalhe importante: este afastamento para o vermelho, chamado redshift, não é efeito Doppler. Vi muitos textos, publicações, livros e vídeos no Youtube onde se afirma que o afastamento para o vermelho observado por Huble é consequência do efeito Doppler.
Não! Existe o efeito Doppler quando dois corpos se afastam DENTRO do Universo. O redshift é devido à expansão do Universo e não ao movimento dos corpos dentro dele.
Pode parecer confuso, mas pense assim: imagine que você vai fazer uma grande torta (pode ser infinita) com passas de uva. A massa tem uvas espalhadas por igual em todo o seu volume (é homogênea). Agora a massa vai para o forno e cresce por igual em todas as direções (é isotrópica).
Se você estivesse sentado num uva, olhando as outras uvas, à medida que a torta cresce, veria todas as uvas se afastando de você. As mais próximas com velocidade pequena e as mais distantes com velocidade maior. Certo?
Sim, você teria a sensação de ser o centro da torta. Mas isso não é verdade pois, qualquer outro morador de qualquer outra uva se sentiria o centro, pois veria todas as uvas se afastando dele, as mais próximas com velocidade pequena e as mais distantes com velocidade maior. Exatamente como você!
Note que as uvas não estão se movendo dentro da torta, é a torta que está se expandindo. Porém, independente da torta crescer ou não, se uma uva se mover dentro da torta se afastando de você isso causaria o Efeito Doppler. Claro o erro conceitual de quem diz que o redshift é Doppler? Como as uvas não estão se movendo em relação à torta, o afastamento é causado pelo crescimento da torta.
Vamos continuar um pouco com esta analogia. Imagine agora que cada uva seja uma lamparina acesa. A luz que ela emite deve manter constante sua velocidade em relação a qualquer observador (Einstein). O único jeito dela manter constante a velocidade, enquanto a torta aumenta, é aumentar o comprimento de onda, ou seja, diminuir a frequência. Isto é o redshift. Então se uma uva vizinha emitir luz anil, eu vou receber nos meus olhos uma luz com cor mais próxima do vermelho (maior comprimento de onda). Se a uva estiver muito longe, terá maior velocidade de afastamento. Logo a luz deverá ser de uma cor de comprimento de onda maior ainda do que o vermelho. Esta cor, meus olhos não são capazes de ver, e se chama infravermelho.
Podemos entender que, apesar de todas as estrelas emitirem uma certa quantidade de luz, essa luz ao viajar longas distâncias dentro do Universo acaba se transformando em infravermelho então ela não iluminará o céu para os meus olhos que só vêem luz.
Todos vocês devem ter visto as lindas fotos do Universo feitas pelo Hubble. Aquelas fotos, em sua maioria, eram feitas no espectro do visível, ou seja, fotografaram captando o que chamamos luz.
Agora temos outro telescópio no espaço, o Webb. Ele fotografa o Universo não no espectro do visível, mas sim do infravermelho, justamente para poder “ver” estas estrelas mais distantes e mais próximas do nascimento do Universo, invisíveis ao olho humano devido o redshift. As fotos do Webb nos mostram o Universo mais próximo de seu nascimento.
Eis uma comparação de uma mesma região do Universo fotografada pelo Hubble (Luz visível) e do Webb (Infravermelho).
Notem que algumas galáxias desapareceram na foto do Webb e muitas outras só estão na foto dele. Isto significa que estas que apareceram não são visíveis para o olho humano e que estão muito mais afastadas de nós do que as da foto à esquerda. Portanto, na foto à direita estamos olhando para momentos mais remotos do nosso Universo, estamos olhando bem perto do Big Bang.
Então a tão esperada resposta: Não importa se o Universo é finito ou infinito. Pelo fato do Universo ter tido um início e estar em expansão, o céu à noite sempre vai ser o mesmo espetáculo escuro e maravilhoso. O Universo é escuro porque houve o “Big Bang”.
O céu escuro à noite é a prova de que houve o Big Bang!
Física é linda, né?
Dúvidas, erros que eu possa ter cometido, ou simples comentários, será um prazer. Usem meu e-mail: crapun@gmail.com.
Abraços
Elio
Elio, uma explicação de um verdadeiro professor, bastante didático, contribuiu com meu conhecimento. Só tenho que agradecer. Bons Ventos.
Que ótima explicação Hélio. Será que existirá um binóculo capaz de ver o infravermelho?
Que maravilha, a técnica Feynman na prática (ensinar conceitos complexos para uma criança). Como leigo no assunto, os conceitos ficaram muito mais claros agora sobre Doppler e Redshift, pois como curioso da Física, já havia lido algo a respeito. Aliás, estou com um livro do Roger Penrose na cabeceira da cama. E de sobra deu vontade de uma torta de uvas passas, hehe.