Se você já esteve à noite no meio do oceano ou no alto de uma montanha, longe de todas as luzes das cidades, seguramente deve ter ficado boquiaberto com a beleza do céu.
A Via Láctea brilhando e as estrelas esparsas pela esfera celeste nos levam a pensar, filosofar, refletir e enchem nossa alma de uma sensação maravilhosa.
Seguramente também no seu pensamento terá passado a pergunta: ”Será que estamos sozinhos nessa imensidão?"
Quando ainda havia a “guerra fria” entre ocidente e URSS, toda sorte de propaganda e tentativa de fazer a população tomar partido de um lado ou outro, era utilizada.
Uma das formas usada pelos soviéticos era vender livros técnicos de ótima qualidade a um preço irrisório. O problema era que eles eram recheados de frases do estilo: “Como já havia dito Lenin,…” e aí vinha uma afirmação qualquer. Porém, se você soubesse como peneirar os escritos, eles eram ótimos.
A editora se chamava Mir (Paz), e por algo como 10 reais de hoje, você comprava livros como a coleção do Lev Landau (2) ou o enorme Piskunov (3) com seus milhares de exercícios de cálculo.
Verdadeiras obras de arte do conhecimento humano.
Num dos livros de astrofísica dessa editora que eu havia comprado (não lembro o título nem o autor), havia uma fórmula que pretendia calcular a probabilidade da existência de vida num raio r ao redor da Terra. Claro que não fazia sentido, mas lá estava.
Muitos colegas meus discutiam sobre ela, sem terem tomado a precaução de descobrir como se chega a ela. Óbvio que era uma impostura.
Também naquela época (1970) apareceu um livro chamado “Eram os deuses astronautas?”, escrito por Erich von Daeniken, O livro era pura charlatanice, mas o desejo de cada um de nós em não sermos os únicos, nos fazia achar que talvez ele estivesse certo.
O furor deste livro foi tal, que era normal alunos me perguntarem sobre ele e se eu concordava com o a teoria que o autor havia criado. Naquela época nenhum exoplaneta havia sido descoberto. Minha resposta era: “Até hoje nunca foi visto nenhum planeta fora do sistema solar, então nada posso afirmar”.
As coisas mudaram, a tecnologia evoluiu muito e a difícil busca por exoplanetas absorve centenas de pesquisadores ao redor do mundo, assim como vários milhões de dólares de investimento. Até 1 de maio de 2022 já foram descobertos (e confirmados) 5017 exoplanetas, pertencentes a 3.694 sistemas planetários com 822 sistemas contendo mais de um planeta. No wikipedia você encontra a lista de todos eles, os métodos de detecção e suas características.
Então hoje sabemos que sim, existem planetas orbitando outras estrelas.
Isto incentiva ainda mais buscarmos se existe vida, se esta vida é inteligente e se ela é capaz de se comunicar conosco. São muitos “se”…
Existe uma equação, chamada fórmula de Drake (6), que pretende estimar o números de civilizações dentro de nossa galáxia (a Via Láctea) que poderiam se comunicar conosco.
O grande problema é que esta fórmula é recheada de “admitindo…” e então coisa não funciona, tanto que o SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence) obviamente nada encontrou mesmo após ano$ de busca. Como diz o próprio Drake: “É milhões de vezes mais difícil encontrar isso do que uma agulha no palheiro”. Mas eles continuam tentando. (4)
Aqui devemos parar um minuto para refletir.
a) Quando alguém argumenta: “ Mas pode ser que exista uma forma de vida completamente diferente, que não necessite o que os milhões de diferentes formas de vida da Terra usam…” a resposta é simplesmente: Sim, mas se nós não sabemos o que ela necessita para viver, como podemos buscar? Então, sinto muito, mas devemos nos limitar a buscar o que conhecemos.
b) Quando falamos sobre vida em outros planetas ou qualquer outro assunto ainda nebuloso, é usual as pessoas dizerem: “Eu tenho uma teoria!…” e explicam sua idéia.
Isto não é uma teoria, é uma opinião. Teoria é outra coisa!
Vou dar um exemplo para esclarecer a diferença entre opinião e teoria: Quando Isaac Newton estudou as leis de Kepler, ele pensou que deveria haver alguma explicação mais profunda e fundamental para elas. Notem: as leis de Kepler foram deduzidas a partir das observações do movimento dos astros por parte de Tycho Brahe, Galileu e do próprio Kepler.
Portanto as observações e resultados das medições (em sendo corretos) são verdades incontestáveis, pois elas representam o que a natureza nos mostra.
A partir da análise dessas medições, Kepler descobriu que os resultados encontrados poderiam ser resumidos em três regras que todos os corpos celestes observados seguiam.
Notem que até aqui, não existe nenhuma opinião nem tampouco teoria. Apenas coleta de dados e medições.
Se admitirmos o Sol como o centro de movimento dos astros, os astros seguiam estas três regras com enorme precisão(5).
Como não havia sido encontrado (e até hoje não foi) nenhum corpo celeste que se mova fora dessas regras, elas são chamadas Leis de Kepler. Até aqui não existe nenhuma teoria, salvo o fato de usar o heliocentrismo como ponto de partida.
Nestas alturas do campeonato, Newton, pensou na hipótese de existir uma força que pudesse agir à distância, isto é, sem os corpos se tocarem. Isto foi revolucionário! Nunca alguém havia pensado nisso!
Porém, era apenas uma opinião, uma hipótese. Após muitos anos de tentativas e erros, encontrou uma equação que explicaria as Leis de Kepler. Verificou que ela se aplicaria a todos os corpos celestes e, a partir dela, as Leis de Kepler seriam uma consequência matemática irrefutável.
A opinião dele (isto é a hipótese dele), fez com que, usando esta equação, se pudesse prever com exatidão quando ocorreriam os eclipses, explicar e calcular o motivo de existirem as marés, explicar o movimento dos corpos celestes, e ainda capaz de predizer com exatidão qual a velocidade que um objeto deveria ter para entrar em órbita em torno da Terra ou para escapar de seu campo gravitacional!
E isso antes de 1727, ano de sua morte!
Ninguém naquela época pensaria num foguete, numa viagem à Lua e muito menos interplanetária. Mas a equação dele previu que isso seria possível e deu os valores corretos para que isso pudesse acontecer mais de 250 anos após sua morte.
Isto é a Teoria da Gravitação Universal de Newton! (7)
Então percebam, para ser teoria, algo precisa:
a) Explicar o que se observa na natureza (ou seja a realidade),
b) Prever o que vai acontecer em condições até então impensadas e,
c) Quando feitos os experimentos (ou seja: quando se pergunta à natureza!) os resultados devem concordar com as previsões.
Sem estes três componentes, uma hipótese (uma opinião) é apenas um palpite. Deve ser aceita como tal, respeitada (afinal cada um pode dar o palpite que quiser) mas não é uma teoria!
O próprio Isaac Newton criou uma teoria para explicar a existência da luz. Durante mais de 100 anos tudo ia bem, até que um dia foi feito um experimento que contradizia a previsão da teoria. A teoria teve que ser jogada no lixo e as Equações de Maxwell tomaram o seu lugar pois:
a) Explicavam tudo o que a teoria de Newton explicava corretamente,
b) Explicavam os resultados do experimento que Newton fora incapaz de explicar e
c) Previam o que aconteceria em determinadas condições até então não pensadas (Os resultados previstos, concordavam com os novos experimentos).(8)
Apenas a título de curiosidade, uma das previsões das equações de Maxwell era considerada absurda pelos físicos daquela época. Ela previa que a velocidade das radiações eletromagnéticas, no vácuo, deveria ter um certo valor e que não dependeria da velocidade do observador, contrariando Galileu e Newton!
Mas todos os experimentos mostravam resultados perfeitamente coincidentes com as previsões das equações de Maxwell.(9)
Quem encontrou a resposta para resolver o dilema foi um incógnito jovem que trabalhava num escritório de registro de patentes na Suíça. Era um certo Albert Einstein que, em 1905, interpretou corretamente as equações e criou a Teoria da Relatividade, que derrubou a Lei da Gravitação de Newton pois ela (entre outras coisas) não conseguia explicar o movimento do periélio de Mercúrio. A Relatividade de Einstein, não só explicou isso, como previu que a trajetória da luz se encurva ao passar perto de um corpo muito massivo, fato só comprovado em 1919 por Sir Arthur Eddington durante um eclipse solar, na cidade de Sobral - Brasil.
Talvez o bonito da física seja isso. Criam-se teorias até que um fato experimental as derruba. Aí surge outra que a) deve explicar tudo o que a anterior explicava, b) explicar o que a anterior não conseguia explicar c) prever algo que a anterior não era capaz de prever.
Portanto, a física é um constante desenvolvimento intelectual, mesmo sabendo que jamais conheceremos a verdade absoluta.
Mas nenhum físico decente tem a pretensão de descobri-la. Pobre de espírito aquele que se julga sábio! (Isso é uma opinião minha).
Quando algum amigo seu disser que tem uma teoria para explicar os extraterrestres, ou que a Terra é plana, ou acredita no criacionismo, ou aceita Erich von Daeniken, mesmo que a hipótese dele pareça sensata, lembre-se: não é uma teoria, é uma opinião. Respeite-a, mas teoria é outra coisa!
Abaixo você encontra links se desejar se aprofundar um pouco sobre o assunto.
Espero que tenham gostado Abraços
1 Imagem de topo: https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/10-curiosidades-incriveis-sobre-a-via-lactea/
2 Foto Wikipedia
3 Foto de Wikipedia
4 SETI (https://pt.wikipedia.org/wiki/SETI)
Parabens Elio! Suas colocações são sempre fantásticas.Eu também comprei nos anos 70 muitos livros técnicos russos em feiras de livros no Mackenzie traduidos para espanhol, pois os em inglês eram muito caros.
Obrigado por nos brindar tantos ensinamentos! Abração
Elio, sua paixão pela física, pela vida, e a forma como explica as coisas são fascinantes. Me lembra muito um certo físico conhecido por ser boa praça e extremamente brincalhão. Falo aqui do Sr. Richard Feynman.
Grande abraço ao Sr.
Bravo Hélio!! Acabou de colocar milhares de teorias no seu devido lugar, a de meras opiniões (com todo o respeito).
Eu tenho uma opinião: "se existe uma verdade absoluta, não é a física que vai nos revelar, mas, quem sabe, um Deus".
Parabéns e obrigado pelo texto. Um abraço!
Obrigado Elio pelo belíssimo texto, concordo no ponto que não existem verdades absolutas.
Obrigado por dividir essas curiosidades da física e da história!