Na época do renascimento os nobres, em suas cortes, tinham sábios a seu serviço.
Poder trabalhar para um nobre era sinônimo de uma vida economicamente segura, enquanto fosse capaz de manter o emprego. Portanto, nada mais natural que, constantemente, outros sábios desejassem o posto, muitos dos quais usavam táticas nem sempre honestas para derrubar quem o detinha.
Por outro lado, os nobres, que eram os que pagavam a conta, desejavam ter os melhores sábios ao seu lado e para isso estimulavam competições entre eles. Para quem detinha o emprego, a “cabeça” estava a prêmio em cada competição.
Isto era válido não só para a matemática ou para as ciências naturais, mas também para a música, para o “rigoletto” da corte, para o cozinheiro e praticamente todos os postos ao redor do nobre.
Naquela época os sábios eram um pouco de tudo. Tinham que ser matemáticos, físicos, alquimistas, médicos, bruxos e … astrólogos.
No ano de 1501 nascia o nosso personagem. A mãe, durante a gravidez, fez de tudo para abortar aquele filho ilegítimo e não consegui. Talvez como consequência de todas as ervas e coisas que ela tomou para tentar abortar, o parto quase a matou e foram 3 dias retrabalho de parto. Mas ele nasceu.
O padrasto o aceitou e queria que ele seguisse sua mesma carreira, um advogado famoso, inclusive, amigo íntimo de Leonardo da Vinci. Mas o jovem demonstrava mais interesse pela filosofia e ciências naturais. Assim ele ingressou na Universidade de Pavia, em 1520.
A foto acima mostra um "cortile" da Universidade de Pavia e a foto ao lado é o local da Aula Magna.
Tempos amargos viriam para o nosso personagem. Em 1521 começou uma guerra naquela região da Itália e em 1524 a universidade de Pavia teve que parar suas atividades por alguns anos.
Ele foi então , em 1525, para a Universidade de Milão e lá ele se graduou como Médico.
Ao solicitar sua licença para trabalhar como médico, ela foi negada pela Ordem, levando em conta o fato dele ser filho ilegítimo e além disso, de ter uma personalidade muito contundente, quase agressiva.
O mais interessante é que, os médicos da Ordem o consultavam frequentemente para receber opiniões e soluções, pois a sua inteligência era realmente notável.
Foi viver numa pequena cidade, casou, teve 3 filhos e lá ele praticava medicina ilegalmente.
Universidade de Milão (Chiostro della Ghiacciaia)
Segundo suas próprias palavras, foram os anos mais felizes de sua vida.
Como sempre, depois das tempestades vem o bom tempo e, para o nosso personagem, não foi diferente.
Com a ajuda de alguns nobres ele conseguiu um posto de professor de matemática em Milão e, finalmente, lhe concederam a licença para poder ser médico.
Ele exerceu as duas tarefas e como médico tratou da saúde de algumas pessoas notáveis.
O Archbishop of St Andrews sofria de uma moléstia que foi considerada incurável pelos médicos e que o deixara sem possibilidade de falar. Em 1553, nosso personagem foi à Escócia e o curou. Sua fama como médico se tornou enorme em toda Europa. Nobres lhe fizeram ofertas para que ele fosse trabalhar em suas cortes, mas ele preferiu voltar.
Em 1545 ele publicou um livro de matemática: Ars Magna.
Nele mostrava a solução das equações cúbicas e quárticas, deixando claro que, a solução das cúbicas que ele estava mostrando, lhe havia sido dada por um matemático chamado Scipione del Ferro, em 1536.
No ano de 1539, portanto anterior à publicação do livro e posterior à solução proposta por del Ferro, ele conheceu
um outro matemático que se chamava Nicolò Tartaglia.
Tartaglia havia encontrado uma outra solução para as equações de terceiro grau e a mostrou a ele, sob promessa de não revelar o segredo.
Quando o livro foi publicado, Tartaglia se irritou muito com o fato de uma solução das cúbicas ter sido publicada e acusou o nosso personagem de roubo, desonestidade e mais mil ofensas.
Capa do original Arts Magna
Acontece que o nosso personagem afirmou que a solução apresentada no Arts Magna não era a do Tartaglia e sim a do Del Ferro. Isto acabou criando uma disputa que duraria dez anos e provocaria desdobramentos impressionantes.
No Arts Magna, além da solução das cúbicas, ele mostrou seus próprios estudos e descobertas sobre os números negativos e criou as bases para a criação dos números imaginários.
Apesar de sua fama e notoriedade, ele andava sempre “curto de dinheiro”. Para complementar a renda, além de ser um ótimo jogador de xadrez, ele também participava de jogos de azar, como dados e carteado.
Foi assim que ele criou os conceitos e as equações que serviriam de base para a estatística.
Em 1564 ele escreveu um livro, Liber de ludo alea, somente publicado em 1663. Nele estavam descritos os cálculos de probabilidade dos jogos e como ele fazia para ganhar dinheiro com isso! No livro existe um capítulo dedicado a como “blefar”!
Nestas alturas de nossa história, é chegado o momento de revelar o nome do personagem: Girolamo Cardano.
Uma mente brilhante não só na matemática.
Ele inventou o cardan e a suspensão cardânica, partes fundamentais para que os automóveis possam funcionar. Como se não bastasse inventou o sistema que permite a livre movimentação dos giroscópios, que são usados até hoje nos navios, nos aviões e nas naves espaciais para manter o curso (você já se perguntou como uma espaçonave mantém o curso se bussolas, GPS ou outras coisas assim não funcionam l[a no espaço?).
Pois é, satélites precisam do invento deste homem de 1500 para poder manter o curso nas suas viagens para espaciais!
Em 1552 publicou o livro, De Subtilitate. No capítulo dedicado à mineralogia, a partir da descoberta de conchas nas montanhas, deduziu que outrora elas haviam sido cobertas pelo mar.
Cardano, contrariando as preconceituosas ideias daquela época, foi capaz de demonstrar que deficientes auditivos são tão inteligentes quanto as outras pessoas, tendo inclusive ensinado um destes a ler e escrever.
Mas a longa batalha que ele teve que enfrentar contra o Tartaglia, e que durou dez longos anos de trocas de ofensas, brigas e discussões, fizeram a corte e a Universidade de Pavia se dividir em dois times, um a favor outro contra.
De novo temporais se abateram sobre ele.
Em 1560, um de seus filhos envenenou a esposa depois de descobrir que os três filhos que ela havia lhe dado, não eram filhos legítimos. Julgado foi sentenciado à morte.
Cardano sabia que a sentença dada ao seu filho era, em grande parte, devida ao fato de os juízes do caso serem adversários pessoais dele e então mudou-se para Bolonha.
Em 1570, a Santa Inquisição o acusou de heresia por causa de um livro que ele publicou, De rerum varietate (Sobre a variedade das coisas), e teve que ficar muitos meses na prisão, além de perder seu posto de professor em Bolonha.
Pediu ajuda ao Papa Pio V, mas ele negou. Após sair da prisão se mudou para Roma e, agora havia outro Papa, Gregorio XIII, que o perdoou e lhe deu um salário durante toda a vida. Em Roma foi aceito como médico e morreu em 1576. Nesta época Galileo Galilei tinha 12 anos de idade.
Estudar a vida de Cardano permite entender muitas coisas sobre a sociedade daquela época.
O estudo dos astros estava ligado à astrologia, a astronomia como ciência ainda não existia. Ela foi consequência dos estudos de Kepler, que nasceu em 1571. Filosofia, medicina, matemática, alquimia e os conhecimentos em geral, estavam todos misturados.
O amadurecimento destes conhecimentos veio essencialmente com o desenvolvimento da matemática, que foi e continuará sendo, a ferramenta mais importante para marcar a desenvolvimento dos conhecimentos humanos.
O motivo de ter escrito este blog sobre Cardano foi para destacar um detalhe, que eu creio seja fundamental: o desenvolvimento da sociedade e as grandes descobertas não acontecem de repente.
O nosso conhecimento se desenvolve pedra sobre pedra, tijolo sobre tijolo. Até hoje usamos o cardã nos carros, a física quântica não existiria sem os números imaginários, que nasceram com Cardano, mas que que para serem estudados e compreendidos precisa do uso dos estudos de Pitágoras, que é mais antigo ainda.
Os estudos de Cardano são apenas mais um tijolinho da sempre inacabada muralha do conhecimento. Outros grandes homens como Euler, Maxwell, Plank e tantos mais, acrescentaram tijolos que continuam ampliando esta muralha.
Apenas como passatempo, para mostrar mais “pedreiros” desta muralha, eis a famosa foto de Solvay, de 1927. Dos 29 participantes, 17 foram Prêmio Nobel. Ela foi colorida artificialmente.
Quantos deles você reconhece ou sabe o que eles fizeram para o conhecimento da humanidade? Tente descobrir sem ler a legenda que acrescentei.
Fila de trás
A Piccard, E Henriot, P ehrenfest, E Herzen, Th De Donder, E Schroendinger, E Verschaffelt, W Pauli, W Heisenberg, R H Fowler
Fila do meio
Peter Debye, Martin Knudsen, William Lawrence Bragg, Hendrik Anthony Kramers, Paul Dirac, Arthur Compton, Louis de Broglie, Max Born, Niels Bohr.
Fila da frente
I Langmeir, M Planck, M Curie, H A Lorentz, A Einstein, P Langevin, Ch E Guye, C T R Wilson, O W Richardson
Até o próximo blog e obrigado.
O Futuro está no passado. E neste espelho que temos de refletir quando pensarmos em avançar. Grato Professor Elio, como sempre a iluminar o caminho da humanidade. Bravo.
Sensacional esse texto, Elio! História curiosa e muito interessante. Excelente leitura! Parabéns!!! Abraços.😊
Mais um post que nos faz pensar, refletir, conhecer o desenvolvimento das culturas das civilizações. PARABÉNS!!! Elio pelo texto crítico e sem o ranço da formalidade acadêmica que nos enfadonha e dificulta a compreensão da população em geral. Que leitura e conteúdo prazerosos! Abraço
Che personaggi hanno attraversato la storia d'Italia!
Sono talmente tanti che alcuni restano quasi sconosciuti. Grazie Elio.
p.s. dove trovo qualche tuo seminario o dispensa sulla navigazione con il solo orologio?
p.p.s. ma lo sai che leggere e comprendere il tuo portoghese è molto facile? Non credevo...
Orso Grigio
Grande história. Ótimo texto, parabéns!