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  • Foto do escritorElio

Uma história incrível!

Neste blog gostaria de comentar a respeito de um grande velejador do Pacífico e como ele alterou minha vida e meu modo de navegar.

Um dos grandes velejadores da história e pouco conhecido no ocidente é Pius Mau Piailug. Mau não é nome, é um apelido que significa "forte", pelo fato dele passar horas e dias no mar; seus companheiros de aldeia dizem que ele era forte.

Nos anos 50, ele tinha cerca de 20 anos e recebeu o título de Pwo, numa cerimónia solene, como sendo o último descendente que conservava os conhecimentos para o homem se integrar à natureza, encontrar caminhos pelo mar e proteger a aldeia!

Até os anos 60, acreditava-se que todos os índios da América fossem descendentes de povos asiáticos, que teriam atravessado o Estreito de Bering, aproveitando as épocas geladas para descer pelo continente, povoando-o.

Um grupo da universidade do Hawai pensava diferente; eles achavam que os índios da América Latina seriam descendentes de povos das ilhas do Pacífico e que estas não haviam sido povoadas por acidente.

Para demonstrar que isso poderia ser verdade, precisariam antes de tudo provar que esses povos deveriam ser capazes de navegar entre suas Ilhas e destas, até o nosso continente.

Alguns mecenas encamparam o desafio e arqueólogos conseguiram reconstruir uma canoa, em estilo bem antigo. O problema era onde encontrar alguém que fosse capaz de navegar naquela "coisa" estranha e, ainda mais, fazer longas viagens, usando técnicas e recursos de, aproximadamente, mil anos atrás.

Começaram a busca por tal navegador; todos indicavam Mau Piailug como o único que seria capaz de tal feito. Foram até a ilha onde ele morava, na Micronésia, e o convidaram para participar do projeto. Ele aceitou. Tinha cerca de 36 anos de idade à época.

Colocaram o Mau em um avião (ele nunca tinha voado!) e chegaram com ele ao Hawai. Mas ele não tinha a menor ideia de onde estava.

Ao lhe mostrarem o barco, ele abriu um sorriso, dizendo que era parecido com o de seu avô, mas que tinha alguns erros, que foram logo corrigidos, sob sua orienta'c~ao.

Perguntaram se ele seria capaz de velejar até o Thaiti naquele barco e ele disse: "Não sei onde estou; se vocês me deixarem uma semana em uma praia longe das luzes para que eu possa estudar o céu e o mar, direi se consigo".

Uma semana depois ele disse: "Sei onde estou, sei onde é o Thaiti, porque meus antepassados me contaram sobre ele e então tenho uma clara ideia de onde ele está, logo sei chegar lá!"

Ele deveria começar a viagem em um lugar que ele nunca havia estado antes e ir para um lugar que sabia que existia, por causa das histórias contadas por seu avô, mas no qual nunca havia estado, em um barco sem nenhum instrumento, apenas confiando na sua capacidade de se integrar à natureza!!!

Esta viagem marcou história. Ele percorreu as mais de 2300 milhas sem nenhum instrumento, guiado pelo Sol, pelas estrelas, pelas ondas e usando as mãos par medir os ângulos!

Foi feito um belíssimo, que originou um filme sobre esta memorável viagem - Papa Mau: The Wayfinder. Um ótimo relato, com detalhes corretos sobre a vida e obra de Pius Mau Piailug, você encontrará aqui https://www.adventure-journal.com/2019/03/mau-piailug-one-of-the-last-wayfinders-followed-the-stars-to-tahiti/


Não conheci Mau Piailug, mas conheci um discípulo seu, que muito me ensinou. Uma noite, na areia da prainha da casa dele, no atoll onde vive com a esposa, Pow Maori, esse discípulo de Piailug, me disse: "Cada ilha tem sua estrela".

Isso ficou na minha cabeça. Até que o entendi! As estrelas, aparentemente, giram ao redor da Terra e a intersecção da linha que as une com o centro da Terra e a superfície terrestre (o mar), forma sempre um paralelo. Logo para cada ilha há pelo menos uma estrela brilhante, que passa sobre esta ilha, todos os dias (ou noites)!

Atenção, isto não vale para o Sol, Lua ou planetas, apenas para as estrelas.

Antes de iniciar uma navegação o Mau construía uma bússola com conchinhas na areia.

Dividindo o círculo em 4 quadrantes, ele dividia cada quadrante mais duas vezes.

À noite ele procurava a estrela que passava sobre a ilha que ele queria chegar e marcava o lugar onde ela nascia e onde ela descia. Com isso, ele sabia o rumo que deveria tomar (ou seja, ele conhecia o paralelo em que a ilha estava!).

Na bússola da foto, ainda se percebe que são marcadas as 8 direções por onde o swell pode vir (naquela região do Pacífico), empurrar a conchinha mais para fora, significa aumentar o tamanho daquele swell.

Tudo isso era (e ainda é) feito medindo os ângulos com as mãos (no Google você encontra a descrição desta antiga e útil técnica).

Ao chegar no paralelo, ele seguia para leste ou oeste - conforme o caso - até chegar na ilha.


Claro que isto tem uma certa margem de erro, na verdade ele imaginava um quadrado ao

redor da ilha e, quando achava que estava próximo, ou seja, dentro do quadrado, buscava outros sinais como pássaros, nuvens, ondas etc., que poderiam indicar a posição exata.

Assim como os antigos grandes exploradores, ele navegava usando a latitude e depois seguia o paralelo até chegar no local. Então, assim como para os antigos navegadores, faltava a longitude.

Por isso as cartas geográficas antigas eram boas na vertical (latitude), mas incrivelmente desproporcionais na horizontal (longitude). Faltava o conhecimento da Longitude.

Quando aprendi esta técnica, percebi que poderíamos acrescentar algo a ela.

Nós temos o relógio e com ele posso saber a longitude.

Se algum dia tiver paciência leia sobre a descoberta do cronômetro e a descoberta da longitude. Uma história que merece um capítulo a parte!

O relógio marca o dia de 24 horas, que é o dia solar médio, mas as estrelas giram mais depressa que o Sol, elas dão uma volta completa em pouco mais que 23 horas e 56 minutos (dia Sideral).

Então, se você olhar o céu sempre à mesma hora da noite, verá as estrelas aparecerem cada dia quase 4 minutos antes que o dia anterior e, quase quatro minutos por dia, multiplicado por 360 dias do ano, dão uma volta completa; ou seja, a cada dia, na mesma hora, as estrelas se adiantam 1 grau!!!

Isto também já era bem conhecido há mais de 2 mil anos. Os fenícios e os egípcios já sabiam disso!

Nós navegadores usamos a milha como medida de distância e isso tem um motivo. Se você pegar um círculo máximo da Terra e medir um arco de um minuto, a distância sobre ele será de 1 milha. Como um grau tem 60 minutos, um grau equivale 60 milhas náuticas. Isso você deve ter estudado no curso de arrais e também é um fato super conhecido.

Então como é o método que criei usando estes fatos conhecidos?

Inicialmente busco as coordenadas da posição onde estou. Por exemplo Paraty Lat. -23,21 e Long 44,71W depois vejo as coordenadas de onde quero chegar, por exemplo Trindade e Martin Vaz Lat. -20,52 e Long. 29,32 W

Assumindo que terei que navegar para leste cerca de 15 graus, na direção onde o Sol nasce, isto deveria representar 900 milhas. Porém, o paralelo que passa por Paraty não é um círculo máximo, então preciso usar o cosseno da latitude como fator de correção. Multiplicando 900 por 0,95 (que é o cosseno de 20 graus), deverei navegar cerca de 850 milhas para leste, e 180 milhas para o norte.

Na noite anterior ao início da viagem desenho num papel as estrelas (especialmente as que estão nascendo e as que estão morrendo) num certo horário, por exemplo meia noite.

Então sei como é o céu no ponto de partida nesse horário.

Depois de 4 dias navegando na direção leste, antes da meia noite, observo o céu com um papel na mão. Se, por exemplo, o céu fica igual ao meu desenho às 11h e 12 minutos, sei que:


A) Se não tivesse me movido e ainda estivesse em Paraty, as estrelas estariam assim às 11 horas e 44 minutos (4 minutos X 4 dias= 16 minutos. Meia noite menos 16 minutos =11 e 44).

B) Como eu vejo isso às 11 horas e 12 minutos significa que eu naveguei na direção onde as estrelas nascem (Leste) 32 minutos ( 11horas 44 minutos - 11 horas 12 minutos). C) Como cada 4 minutos correspondem a 1 grau, ou seja 60 milhas X cos 20, andei 8 X 60 X 0,95 = 456 milhas na direção leste.

Então sei minha Longitude em relação a Paraty!!!


Fica ainda problema mais fácil que é a latitude, mas esta se mede usando o cruzeiro do Sul no nosso hemisfério ou a Polar, no hemisfério norte.

Então sei minha Latitude e minha Longitude com boa precisão! Eu sei onde estou!!!

Interessante notar, neste exemplo que eu usei que, a linha do paralelo que passa por Paraty, a intersecção do meridiano de Martin Vaz e a linha que une Paraty a Martin Vaz, formam um triângulo praticamente isósceles, então se conseguir navegar direto para Martin Vaz, deverei percorrer pouco mais de 850 milhas, em toda a viagem.


O fato de eu usar as mãos não é importante; você pode usar um astrolábio ou um transferidor com um barbante e um parafuso, que funcionará perfeitamente.

Com isso, você pode percorrer o mundo. Apenas deve estar atento que o erro é tanto maior, quanto mais longe do Equador você estiver. Isto funciona bem entre os trópicos, fora deles precisa treinar muito e há outras técnicas para observar os astros.


O meu método não tem nada de novo, apenas misturei alguns conhecimentos dos povos do Pacífico com o uso do relógio e os nossos conhecimentos simples de astronomia.

O importante é que você consegue saber não só a latitude como a Longitude!

Mas os conhecimentos dos Pows vai muito além de conhecer a posição das estrelas e do Sol. As ondas do mar representam uma grande fonte de informações e Mau Piailug conseguia identificar onde haviam ocorrido tempestades, há quanto tempo, qual a força delas, além de identificar até 5 tipos de ondas se cruzando no oceano enquanto navegava!

O máximo que eu consegui foi identificar 3 e foi numa situação bem favorável, indo para Lampedusa (Mediterrâneo), onde identifiquei que deveria ter havido tempo ruim no Mar Tirreno e, quando cheguei em Lampedusa, telefonei para um amigo que mora em Trieste e ele confirmou que cinco dias antes a Bora havia varrido a cidade. Fiquei feliz em perceber que, com muita observação e treino, a gente consegue entender o que a natureza nos fala.

Se você navegar entre as Pontas Negra e Joatinga, perceberá claramente duas direções diferentes (no mínimo) em que as ondas se propagam. Experimente observar, é fácil, elas são bem marcantes. Uma vem do oceano e outra vem da terra, reflexo das incidentes sobre as rochas do local. Viu que dá para perceber? Então treine, busque o que a natureza tem para te dizer, desconecte os eletrônicos pelo menos enquanto não estiver fazendo regata.


Uma vez uma tempestade arrebentou o barco de Piailug numa ilha desabitada e todos achavam que ele havia perecido naquele acidente. Sete meses depois ele foi capaz de retornar para a sua ilha natal. Havia sobrevivido e navegado de volta!

Ter acidentes faz parte da vida, só quem navega naufraga. Só quem naufraga se levanta!

Mau Piailug disse:

"You have to remember how the islands move. If you forget that, you're lost."

Obrigado e se você deseja ter mais informações sobre essas técnicas será um prazer compartilhar mais informações por depoimentos de grandes navegadores, papeis de discípulos de Piailug e outros acréscimos meus aos métodos conhecidos de navegação.

Não se esqueça dessa linda frase de Mau Piailug:

Now you know all there is to know. But it will be twenty years before you see.

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